Escrevo na madrugada do último dia da primeira década do século XXI.
Seguimos adiante, por enquanto sem razões para temer.
Temos a nossa frente não exatamente um futuro (pois o futuro já aí se encontra, com certa ânsia, às nossas portas, aguardando uma posição), mas um tempo de ninguém – que é o mesmo que dizer um tempo de todos.
Muito satisfatório e confortável pensar assim: seguiremos juntos rumo a não sabemos exatamente o que. Gostaria muito de acreditar, como muitos, que o que nos aguarda - para além do que podemos ou não decidir ou fazer - é alguma coisa com a qual nos mostraremos minimamente capazes de nos conjugar. Digo nos conjugar com certa harmonia; ou, por outra, conjugarmo-nos sem tantos desastres ou jogos de interesses que privilegiem uns poucos em detrimento do resto.
Ingênuas por demais as considerações acima, admito. Mas por que desistir da esperança? Em nome de que? Das inúmeras teorias de conspiração ou de teses que prognosticam o fim da humanidade e de todas as possibilidades de convivência possível entre nós? Tudo causado pela prevista – muitos já predizem inevitável – falta de alimentos e água e recursos naturais que garantam a sobrevivência da maioria?
Pode ser.
No entanto, que razões temos para não crer no senso comum – ou no já desbastado bom-senso? Claro que não se pode esperar “bom-senso” da maioria. Até porque a “maioria” – este bloco massivo e estritamente subjetivo – é de uma voracidade consumista e de uma noção de estima e interesse pelo mundo e pelo outro tão deficiente e insuficiente que, feitas as contas, acaba por nos cumular de motivos para acreditar em coisas absurdas como “a ética morreu” ou “a solidariedade está soterrada pelo interesse de classes” ou ainda “estamos rumando em linha reta para o caos e a barbárie sem precedentes que a todos destruirá”.
Prefiro acreditar que não, que não é isso o que nos aguarda, e que, no final, tudo dependerá de um milagroso – porém nem por isso impossível - conjunto de ações bem coordenadas (o que é, sem dúvida, dificílimo, mas que certamente poderá ser facilitado pela globalização dos meios de comunicação e pela “revolução digital”).
Digam o que quiserem, não sou capaz de crer que quando as coisas piorarem a olhos vistos, os detentores de poder, capital e recursos em abundância simplesmente irão dar as costas à uma humanidade agonizante, numa maratona selvagem movida a “salve-se quem puder”. Francamente não creio nesta propalada probabilidade.
E digo a razão pela qual nego-me a crer em tal hipótese: apenas porque no momento em que as ondas se levantarem e arrastarem tudo o que levamos séculos para construir (e é bom lembrar que a natureza não discerne entre ricos e pobres, ou entre favelas e grandes monumentos arquitetônicos), estaremos todos inevitavelmente no mesmo barco.
Aí então veremos. O que é um rico protegido por sua fortaleza de muros intransponíveis e segurança máxima, energia alternativa e dinheiro guardado em cofres subterrâneos, num mundo sem energia elétrica, sem satélites (e portanto sem qualquer meio de comunicação) e rodeado de caos, placas tectônicas em movimento, deslocamento do planeta de sua órbita regular e gigantescas ondas invadindo o quarto de terra que resta para nos abrigar?
O que me leva a crer que quando a merda vier – se vier – virá para todos em idêntica escala. A natureza está acima da moral e das estratificações sociais.
Apesar disso, devemos nos importar sim com a natureza, pois esta é nossa única casa. De outro lado, a natureza pouco se importa com nossa presença. O planeta Terra tem 4 bilhões e meio de anos, e nesta profundíssima escala de tempo a raça humana surgiu a apenas 15 minutos atrás! Acho engraçado quando falam em fim do mundo. O mundo é velho e, pelos cálculos astronômicos, seguirá em frente por pelo menos mais 5 bilhões de anos. Portanto, se for para falar em fim, é mais justo e razoável falar no fim da raça humana. Ora, se surgimos há somente 15 minutos, fica bem fácil crer que podemos desaparecer completamente daqui a mais alguns minutos talvez.
Mas não creio. Creio na fé, na esperança, no bom-senso e na solidariedade que tais possíveis catástrofes nos obrigarão a assumir, com todas as nossas forças e mentes, e com todo nosso coração.
Um 2011 radiante a todos.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
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