1
Havia
decidido fazer uma microcirurgia para extrair o excesso de prepúcio, que em
contato com a glande vinha causando irritação e alergias. O urologista disse:
É
uma operação simples, não dura mais que meia hora.
Ainda
assim, menos por precaução que por temor, pediu anestesia geral.
Um
pouco antes de seguir para o hospital, ligou pra mãe:
Mãe,
tou indo pro hospital...
Com
quem?
Sozinho.
Sozinho
não vão te deixar fazer a cirurgia.
Por
que?
Você
pediu anestesia geral?
Pedi.
Tem
que estar acompanhado.
Acompanhando?
É,
filho, tem que ter alguém que se responsabilize por você.
Mas
é só uma microcirurgia...
Você
pediu anestesia geral?
Pedi,
mãe, pedi...
Então
arruma alguém pra te acompanhar.
E
lá foi ele pensar em quem. Quem, àquela hora da tarde, em plena terça-feira,
poderia acompanhá-lo a um hospital? E mais: quem teria a improvável disponibilidade
de ficar com ele por 3 ou 4 horas? Ah sim, pensou. Quem sabe minha amiga do 1º
andar.
Bateu
na porta. Atendeu uma estranha:
Pois
não.
Fulana
está?
Não,
saiu.
Sabe
se demora?
Acho
que sim. Ela quando sai assim...
Você
é amiga dela?
É,
tou de passagem, vou ficar uns dias.
...
Tomou
coragem e mandou:
Você
me faria um favor?
Depende.
É
simples.
Fala.
Você...
me acompanharia... ao hospital?
Alguém
morreu?
Não,
não... é que... eu vou fazer uma cirurgia. Coisa simples... e tenho que estar
acompanhado.
Você
pediu anestesia geral?
É,
pois é, pedi.
Não
sabe que tem que estar acompanhado?
Pois
é...
Hoje
é seu dia de sorte. Estou com a tarde livre.
Puxa,
você me faria esse favor?
Só
porque naquele dia você me emprestou açúcar.
Eu
te emprestei açúcar?
Não
lembra? Eu que bati na sua porta pra...
Ah,
claro, como não. Era... claro, era você. É que...
O
que?
Você
tava diferente.
De
shorts.
Pois
é, tava... diferente.
Ela
tinha um scort vermelho. Ele disse:
Precisa
não. O hospital é aqui perto, vamos andando...
De
jeito nenhum. Não é uma cirurgia o que você vai fazer?
Sim,
mas...
E
você não pediu anestesia geral?
Pedi,
pedi...
Entra
aí, eu te levo. Na volta você não vai poder fazer esforço.
A
gente toma um taxi...
Faço
questão.
E
lá se foram.
Na
recepção, ela acompanha atentamente as instruções que ele recebe de uma
enfermeira. A seguir, ela também recebe instruções e sobe para o apartamento
com ele. No elevador, rola um clima. Ela pergunta:
É
cirurgia de que?
Microcirurgia.
Ok,
mas é de que?
Coisa
à toa, nada demais não.
Alguns
minutos depois de se instalarem no apartamento, entra uma enfermeira com um
barbeador descartável e ordena:
O
senhor pode abaixar as calças e a cueca e ficar de pé aqui.
Surpresa
e sem jeito, ela pede licença e vai ao banheiro.
A
enfermeira raspa os pentelhos com a delicadeza peculiar das enfermeiras. Sem
espuma, como se raspasse os pelos de um boi.
Ei,
não dá pra pôr uma espuminha aí?
Que?
Espuma.
Ela
simplesmente termina seu trabalho e sai.
Silêncio.
Ele
avisa a acompanhante, que está no banheiro:
Tudo
bem, pode sair.
Ela
abre a porta devagar.
Tá
tudo bem?
Tá.
Algum
tempo depois, entra o anestesista, que talvez por ganhar muito bem pra fazer o
que faz e, sobretudo, por fazer muito rápido o que faz e ainda assim ganhar um
dinheirão, estampa na face um largo sorriso. O anestesista começa no tom típico
dos anestesistas que, Deus sabe por que, adoram fazer piadinhas idiotas:
Tranquilo?
Nervoso.
Ah
mas passa. Eu vou pôr uma vodkinha especial aqui e você vai dormir que nem um
anjo.
Diz
uma coisa... Uma coisa que sempre me intrigou... Por que os anestesistas adoram
falar com os pacientes como se fossem débeis mentais?
Por
que em geral, meu caro, eles são de fato uns...
Ele
apaga. Teto preto. E fica sem saber o que, afinal, para o anestesista, os
pacientes em geral são. Acontece que o anestesista, sempre muito ocupado em
estar feliz por ganhar muito pra fazer quase nada, não se deu conta do real
sentido da pergunta. Nosso paciente quis apenas saber por que os anestesistas (e
não os pacientes) em geral se fazem de débeis mentais diante de seus pacientes.
Enfim...
2
Quando
acorda, completamente grogue pelo efeito da anestesia, o urologista segura seu
pênis, enquanto explica à sua companheira de quarto como fazer curativo no dito
cujo. Completamente estarrecido, mas impossibilitado de reagir, ele troca
olhares constrangedores com ela, como quem tenta dizer “céus, ele deve pensar
que você é minha mulher!”. Ao mesmo tempo, percebe que ela está gostando da
brincadeira de se fazer passar por sua mulher. Gostando muito. Mais do que ele
gostaria, na verdade. E para um urologista, ao entrar num quarto onde um
paciente acabou de fazer cirurgia no pênis e encontrar uma mulher, não resta dúvidas
de que é a ela que ele vai se reportar para dar todas as recomendações do pós-operatório.
Simples questão de rotina, nem se pergunta quem é quem nessa situação.
O
fato é que quando o médico saiu do quarto, eles já eram íntimos. Pra quebrar o
gelo, ela diz:
O
médico disse que você tem que ficar um mês em total abstinência sexual,
incluindo... a masturbação. Por causa dos pontos.
Ah,
que legal...
E
que alguém deve fazer seus curativos. Não é adequado você fazer sozinho.
Que
bom, que legal...
Você
não parece muito animado. A cirurgia foi um sucesso.
É
mesmo? Nunca estive tão feliz...
Está
incomodado? Com a minha presença?
Não,
claro que não. Você me fez um favor de irmã...
Não
sou sua irmã.
Eu
sei... Força de expressão... Obrigado.
...
Você
ficou constrangido com esse negócio do médico achar que eu sou sua...?
Meio
estranho, né?
No
começo também levei um susto. Mas depois achei até divertido.
Eu
vi, eu vi.
Você
não?
Desculpe,
eu tou grogue demais pra falar disso agora. Você pode me ajudar, preciso ir ao
banheiro mijar.
O
enfermeiro avisou que você não pode levantar daí nos próximos 40 minutos. É
perigoso, por causa da anestesia.
Ah,
que bacana. E eu faço xixi aonde? Na fralda?
Ela
ri e chama o enfermeiro. Entra um negão enorme, com cara de poucos amigos:
Que
que é?
Preciso
mijar.
Não
dá.
Como
não dá? Eu tou apertado.
O
enfermeiro dá as costas e sai.
Fim
da picada. Nego te trata como se você fosse uma coisa, um número, uma perturbação
crônica.
Não
reclama. Você está num dos melhores hospitais da cidade.
Uau.
Imagine se não estivesse.
3
Final
feliz. Os dois saem do hospital de mãos dadas. Depois dessa, não há nada a
fazer senão namorar a moça que fará os curativos.
O
problema – e, acredite, sempre há um problema, e dos grandes – é que, apesar da
excitação de estar de namorada nova, doido para jogá-la sobre uma mesa e
transar com ela pra valer, nosso operado tem que segurar sua onda, pois nem
mesmo uma ereção ele pode suportar. Por uma simples e singela razão: a ereção
estica a pele do pênis e, junto, a linha dos pontos, causando uma dor intolerável.
Mas
aí acontece a coisa boa: durante um mês sem praticamente poder beijar sua nova
namorada na boca, e tendo que vê-la diariamente trocando o curativo de seu pênis
com carinho e devoção, nosso operado vai acumulando pela moça um tesão sem
nome.
Um
mês depois: pênis novo, namorada nova, nenhum beijo, nenhuma trepada. Ela
termina de retirar o último curativo. Ele olha para ela, ainda agachada:
E
a gente faz o que?
Ela
não responde. Sua boca já está ocupada.