sexta-feira, 31 de maio de 2013

CIRURGIA

1
Havia decidido fazer uma microcirurgia para extrair o excesso de prepúcio, que em contato com a glande vinha causando irritação e alergias. O urologista disse:
É uma operação simples, não dura mais que meia hora.
Ainda assim, menos por precaução que por temor, pediu anestesia geral.
Um pouco antes de seguir para o hospital, ligou pra mãe:
Mãe, tou indo pro hospital...
Com quem?
Sozinho.
Sozinho não vão te deixar fazer a cirurgia.
Por que?
Você pediu anestesia geral?
Pedi.
Tem que estar acompanhado.
Acompanhando?
É, filho, tem que ter alguém que se responsabilize por você.
Mas é só uma microcirurgia...
Você pediu anestesia geral?
Pedi, mãe, pedi...
Então arruma alguém pra te acompanhar.

E lá foi ele pensar em quem. Quem, àquela hora da tarde, em plena terça-feira, poderia acompanhá-lo a um hospital? E mais: quem teria a improvável disponibilidade de ficar com ele por 3 ou 4 horas? Ah sim, pensou. Quem sabe minha amiga do 1º andar.
Bateu na porta. Atendeu uma estranha:
Pois não.
Fulana está?
Não, saiu.
Sabe se demora?
Acho que sim. Ela quando sai assim...
Você é amiga dela?
É, tou de passagem, vou ficar uns dias.
...
Tomou coragem e mandou:
Você me faria um favor?
Depende.
É simples.
Fala.
Você... me acompanharia... ao hospital?
Alguém morreu?
Não, não... é que... eu vou fazer uma cirurgia. Coisa simples... e tenho que estar acompanhado.
Você pediu anestesia geral?
É, pois é, pedi.
Não sabe que tem que estar acompanhado?
Pois é...
Hoje é seu dia de sorte. Estou com a tarde livre.
Puxa, você me faria esse favor?
Só porque naquele dia você me emprestou açúcar.
Eu te emprestei açúcar?
Não lembra? Eu que bati na sua porta pra...
Ah, claro, como não. Era... claro, era você. É que...
O que?
Você tava diferente.
De shorts.
Pois é, tava... diferente.

Ela tinha um scort vermelho. Ele disse:
Precisa não. O hospital é aqui perto, vamos andando...
De jeito nenhum. Não é uma cirurgia o que você vai fazer?
Sim, mas...
E você não pediu anestesia geral?
Pedi, pedi...
Entra aí, eu te levo. Na volta você não vai poder fazer esforço.
A gente toma um taxi...
Faço questão.

E lá se foram.
Na recepção, ela acompanha atentamente as instruções que ele recebe de uma enfermeira. A seguir, ela também recebe instruções e sobe para o apartamento com ele. No elevador, rola um clima. Ela pergunta:
É cirurgia de que?
Microcirurgia.
Ok, mas é de que?
Coisa à toa, nada demais não.

Alguns minutos depois de se instalarem no apartamento, entra uma enfermeira com um barbeador descartável e ordena:
O senhor pode abaixar as calças e a cueca e ficar de pé aqui.
Surpresa e sem jeito, ela pede licença e vai ao banheiro.
A enfermeira raspa os pentelhos com a delicadeza peculiar das enfermeiras. Sem espuma, como se raspasse os pelos de um boi.
Ei, não dá pra pôr uma espuminha aí?
Que?
Espuma.
Ela simplesmente termina seu trabalho e sai.

Silêncio.
Ele avisa a acompanhante, que está no banheiro:
Tudo bem, pode sair.
Ela abre a porta devagar.
Tá tudo bem?
Tá.

Algum tempo depois, entra o anestesista, que talvez por ganhar muito bem pra fazer o que faz e, sobretudo, por fazer muito rápido o que faz e ainda assim ganhar um dinheirão, estampa na face um largo sorriso. O anestesista começa no tom típico dos anestesistas que, Deus sabe por que, adoram fazer piadinhas idiotas:
Tranquilo?
Nervoso.
Ah mas passa. Eu vou pôr uma vodkinha especial aqui e você vai dormir que nem um anjo.
Diz uma coisa... Uma coisa que sempre me intrigou... Por que os anestesistas adoram falar com os pacientes como se fossem débeis mentais?
Por que em geral, meu caro, eles são de fato uns...
Ele apaga. Teto preto. E fica sem saber o que, afinal, para o anestesista, os pacientes em geral são. Acontece que o anestesista, sempre muito ocupado em estar feliz por ganhar muito pra fazer quase nada, não se deu conta do real sentido da pergunta. Nosso paciente quis apenas saber por que os anestesistas (e não os pacientes) em geral se fazem de débeis mentais diante de seus pacientes.
Enfim...


2
Quando acorda, completamente grogue pelo efeito da anestesia, o urologista segura seu pênis, enquanto explica à sua companheira de quarto como fazer curativo no dito cujo. Completamente estarrecido, mas impossibilitado de reagir, ele troca olhares constrangedores com ela, como quem tenta dizer “céus, ele deve pensar que você é minha mulher!”. Ao mesmo tempo, percebe que ela está gostando da brincadeira de se fazer passar por sua mulher. Gostando muito. Mais do que ele gostaria, na verdade. E para um urologista, ao entrar num quarto onde um paciente acabou de fazer cirurgia no pênis e encontrar uma mulher, não resta dúvidas de que é a ela que ele vai se reportar para dar todas as recomendações do pós-operatório. Simples questão de rotina, nem se pergunta quem é quem nessa situação.
O fato é que quando o médico saiu do quarto, eles já eram íntimos. Pra quebrar o gelo, ela diz:
O médico disse que você tem que ficar um mês em total abstinência sexual, incluindo... a masturbação. Por causa dos pontos.
Ah, que legal...
E que alguém deve fazer seus curativos. Não é adequado você fazer sozinho.
Que bom, que legal...
Você não parece muito animado. A cirurgia foi um sucesso.
É mesmo? Nunca estive tão feliz...
Está incomodado? Com a minha presença?
Não, claro que não. Você me fez um favor de irmã...
Não sou sua irmã.
Eu sei... Força de expressão... Obrigado.
...
Você ficou constrangido com esse negócio do médico achar que eu sou sua...?
Meio estranho, né?
No começo também levei um susto. Mas depois achei até divertido.
Eu vi, eu vi.
Você não?
Desculpe, eu tou grogue demais pra falar disso agora. Você pode me ajudar, preciso ir ao banheiro mijar.
O enfermeiro avisou que você não pode levantar daí nos próximos 40 minutos. É perigoso, por causa da anestesia.
Ah, que bacana. E eu faço xixi aonde? Na fralda?
Ela ri e chama o enfermeiro. Entra um negão enorme, com cara de poucos amigos:
Que que é?
Preciso mijar.
Não dá.
Como não dá? Eu tou apertado.
O enfermeiro dá as costas e sai.
Fim da picada. Nego te trata como se você fosse uma coisa, um número, uma perturbação crônica.
Não reclama. Você está num dos melhores hospitais da cidade.
Uau. Imagine se não estivesse.

3
Final feliz. Os dois saem do hospital de mãos dadas. Depois dessa, não há nada a fazer senão namorar a moça que fará os curativos.
O problema – e, acredite, sempre há um problema, e dos grandes – é que, apesar da excitação de estar de namorada nova, doido para jogá-la sobre uma mesa e transar com ela pra valer, nosso operado tem que segurar sua onda, pois nem mesmo uma ereção ele pode suportar. Por uma simples e singela razão: a ereção estica a pele do pênis e, junto, a linha dos pontos, causando uma dor intolerável.

Mas aí acontece a coisa boa: durante um mês sem praticamente poder beijar sua nova namorada na boca, e tendo que vê-la diariamente trocando o curativo de seu pênis com carinho e devoção, nosso operado vai acumulando pela moça um tesão sem nome.

Um mês depois: pênis novo, namorada nova, nenhum beijo, nenhuma trepada. Ela termina de retirar o último curativo. Ele olha para ela, ainda agachada:
E a gente faz o que?
Ela não responde. Sua boca já está ocupada.

9 comentários:

  1. Rsrs, um baita final feliz, esse pode ser chamado de sortudo !
    Adorei, o final realmente me fez viajar ( inúmeras possibilidades )!

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  2. Obrigado, Cheyla, por acompanhar e curtir. Beijo.

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    1. magina, eu que agradeço, pela leitura e pela atenção.
      Muito obrigada Adriano ! Beijão

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  3. Lindo...belo final hein.....tbm só poderia ser escrito por um maravilhoso homem...

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  4. e nós na torcida para que ela seja muito bem recompensada pelos carinhos prestados (risos).... ótimo conto!!! Tenha uma ótima semana!! :)

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  5. Uau, que delícia de texto! Se não estivesse tão bem escrito não teria ficado tão bom!

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  6. Mt bom, Garib!!! Só esperava mais detalhes do boquete final, ahahah...

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  7. ADOREI!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Não sabia desse seu dom!!!

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